segunda-feira, 29 de julho de 2013

O IMPACTO DO BULLYING NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM


 Jucimara Gonçalves Bernardo



A instituição escola deve ser por excelência um ambiente seguro e saudável, onde crianças e adolescentes possam desenvolver, ao máximo, os seus potenciais intelectuais e sociais.
De acordo com Neto (2005), admitir que estudantes sofram violências é colaborar para o desencadeamento e aumento de danos físicos e/ou psicológicos, assim como permitir que várias pessoas testemunhem tais fatos e se calem para que não sejam também agredidos e acabem por achá-los banais ou, pior ainda, que diante da omissão e tolerância dos adultos, adotem comportamentos agressivos.

 Segundo Fante (2006, p. n.p) o termo bullying é definido universalmente como sendo:

“Um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento”. Insultos, intimidações, apelidos cruéis e constrangedores, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de ataques virtuais, através de celulares e internet, (cyberbullying), são alguns exemplos de Bullying.

 De acordo com Fante (2006), vários estudiosos sobre o assunto identificaram e classificaram os diversos tipos de papéis sociais desempenhados pelos seus protagonistas, por:

§     Vítima típica: aquele que serve de bode expiatório para um grupo;
§   Vítima provocadora: aquele que provoca determinadas reações contra as quais não possui habilidades para lidar;
§     Vítima agressora: aquele que reproduz os maus-tratos sofridos;
§     Agressor: aquele que hostiliza e maltrata;
§     Espectador: aquele que presencia os maus-tratos, porém, não o sofre diretamente e nem o pratica, mas que se expõe e reage inconscientemente à sua estimulação psicossocial.

Segundo Neto (2005), as pesquisas sobre bullying só ganharam destaque a partir dos anos 1990, e estudos indicam que a prevalência de estudantes vitimizados varia de 8 a 46%, e de agressores, de 5 a 30%3,19.
Fante (2006) atribui às causas de tal comportamento a carência afetiva, ausência de limites, desagregação familiar, modo de afirmação dos pais sobre os filhos, através de castigos físicos e explosões emocionais violentas, exposição constante às diversas cenas de violência exibidos na mídia, etc.
As conseqüências desse comportamento para as vítimas podem ser de ordens físicas, sociais e emocionais de curto e longo prazo, assim como o comprometimento intenso do desenvolvimento psíquico da criança, desencadeando transtornos muitas vezes irreparáveis.
Dependendo da gravidade, Fante (2006), salienta que na aprendizagem as conseqüências imediatas podem ser notadas através de déficit de concentração e aprendizagem, queda do rendimento escolar, desinteresse pelos estudos e abstinência escolar. Ao passo que a longo prazo, pode-se manifestar fobia escolar e social, dificuldade de socialização e de relacionamentos. Para os agressores, os prejuízos mais evidentes se manifestam através do distanciamento dos objetivos escolares, a dificuldade de adaptação às regras escolares e posteriormente, às regras sociais, a valorização da violência como forma de conseguir seus intentos. Posteriormente a presença de tendências ao envolvimento em condutas delituosas, dificuldades de relacionamento na constituição familiar, no ambiente de trabalho e de convivência social se tornaram cada vez mais constante. 
De acordo com Neto (2005), os principais sinais e sintomas possíveis de serem observados em alunos alvos de bullying são:


§  Enurese noturna
§  Alterações do sono
§  Cefaléia
§  Dor epigástrica
§  Desmaios
§  Vômitos
§  Dores em extremidades
§  Paralisias
§  Hiperventilação
§  Queixas visuais
§  Anorexia
§  Bulimia
§  Isolamento
§  Tentativas de suicídio
§  Irritabilidade
§  Agressividade
§  Ansiedade
§  Perda de memória
§   Histeria
§   Depressão
§   Pânico
§   Relatos de medo
§   Resistência em ir à escola
§  Demonstrações de tristeza
§  Insegurança por estar na escola
§  Mau rendimento escolar
§  Atos deliberados de auto-agressão
§  Síndrome do intestino irritável




REFERÊNCIAS:

   
FANTE, Cleo. FENÔMENO BULLYING: COMO PREVENIR A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E EDUCAR PARA A PAZ. IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO CEARÁ – O desafio da leitura e da escritas, Relações na escola: Valores e Disciplina. ANAIS, 2006.
  
NETO, AA. Lopes. Bullying – comportamento agressivo entre estudantes. J Pediatr (Rio J). 2005; 81(5 Supl):S164-S172.




quinta-feira, 25 de julho de 2013

UM GOLPE DO DESTINO: TEXTO SENTIDO




Jucimara Gonçalves Bernardo


INTRODUÇÃO


Iniciemos então, este texto refletindo primeiramente e não por acaso, acerca dos seguintes questionamentos: o que é a vida? O que é viver? O que é existir? Viver difere de existir ou ambas são a mesma coisa? Qual o real sentido de nossa existência? Quando e como morreremos? O que é a morte? É difícil responder não é? Existem inúmeras explicações a serem dadas, porém é necessário esclarecer que este não será foco deste trabalho.
Todos esses questionamentos têm por objetivo neste primeiro momento, deixar claro que é por esta difícil e delicada condição de estar no mundo (vida, bem mais precioso que possa existir), que o consulente busca o profissional da saúde nas clínicas e hospitais, clamando e pedindo que o ajude a preservá-la, salvar ou simplesmente zelar por sua vida.
E assim vos pergunto novamente: como este profissional tem cuidado e protegido esta vida? Estão cuidado da doença ou do ser humano que sofre? Estão de fato percebendo o quão frágil se encontra este consulente que beira a eminência de sua morte? Estão desenvolvendo uma relação consulente/profissional saudável e um tratamento humanizado?
É em torno desta temática e a partir do filme: Um golpe do destino, que procurarei discutir a respeito de algumas problemáticas ocorridas no âmbito dos serviços de saúde.

O TRATAMENTO HUMANIZADO

Ao ser internado o consulente passa por um processo que podemos chamar de despersonalização, ou seja, passa a receber tratamentos impessoais, como por exemplo, deixa de ser chamado pelo nome e passa a ser chamado por um número (“o paciente nº. 37”), sua vaidade, seus gostos, desejos, necessidades emocionais e psíquicas passam a ser grosseiramente reprimidas.
Na conduta de alguns médicos, assim como mostra o filme: Um golpe do destino é nítido perceber que: a princípio a visão de homem que se tem é inteiramente dicotômica, o foco principal é a doença e não o ser humano que sofre, alguns se sentem onipotentes e tratam seus pacientes como máquinas que precisam de um concerto mecânico. Os aspectos psíquicos e emocionais, assim como a estrutura de personalidade e a história de vida do paciente são totalmente desprezadas diante da oferta terapêutica aplicada. Enfim são cenas que na realidade desvelam a desumana forma de atendimento e procedimentos invasivos desempenhados por estes profissionais. Mas felizmente, reconheço que não são todos os profissionais da saúde que são assim, existe profissionais qualificados e humanizados em muitas instituições de saúde!
De acordo com Carvalho, Santana & Santana (2009), a temática humanização e qualidade dos serviços começou a ser discutida no ano de 2000, a partir da XI Conferência Nacional de Saúde que teve como tema: Efetivando o SUS: Acesso, Qualidade e Humanização na Atenção à saúde com Controle Social.
Segundo o Ministério da Saúde, humanizar não significa apenas reorganizar os espaços sanitários, visa, sobretudo, reorganizar os processos de trabalho, formar e qualificar trabalhadores, garantir os direitos e a cidadania dos usuários por meio do controle e da participação popular.  
Deslandes (2004) apud Carvalho, Santana & Santana (2009), desvela quatro eixos referentes à Política Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar:

1) Humanização como oposição à violência, podendo esta ser física (maus-tratos) ou psicológica (a não compreensão das demandas e expectativas do paciente);
2) Humanização como capacidade de oferecer um atendimento de qualidade (exemplificada pela tecnologia leve, a qual diz respeito aos modos relacionais de agir na produção dos atos de saúde, ou seja, a produção de vínculos, acolhimentos e autonomização ao usuário);
3) Humanização como melhoria das condições de trabalho do cuidador;
4) Humanização como ampliação do processo comunicacional, ou seja, a presença de mecanismos que permitam a livre expressão dos usuários: a ouvidoria.

Desta forma, percebe-se que, em se tratando do ambiente hospitalar, humanizar significa compreender também os medos, angústias e incertezas do paciente, dando-lhes apoio e atenção permanente.
Outra importante missão do profissional de saúde, é estabelecer e assumir uma postura ética de respeito ao individuo, tratá-lo com dignidade, sob a hipótese de que será somente assim, que o consulente passará a apropriar-se do seu adoecer, a responsabilizar-se por suas escolhas e por buscar caminhos que lhes traga o restabelecimento e equilíbrio organísmico.
Perls (2002), ao referir-se as inúmeras formas e possibilidades de apropriação da vida assumidas pelo homem, convoca-nos a refletir descrevendo o seguinte trecho:

É essencial que o homem aprenda a “sensação de si mesmo”, restaurando todos os impulsos e as necessidades, todos os prazeres e as dores, todas as emoções e sensações que fazem a vida valer a pena ser vivida, que se tornaram fundo ou foram reprimidas em nome do seu ideal dourado. Deve aprender a fazer outros contatos na vida além de suas relações comerciais (p.152).

É pensando em mediar este contato do paciente consigo mesmo e com os profissionais da saúde, que o psicólogo hospitalar (profissional capacitado para analisar as relações inter-pessoais), deve esforçar-se para: focar seu trabalho no paciente, resgatar sua essência de vida interrompida pela doença e a internação, acolher a demanda do paciente e familiar, considerar o ser humano em sua totalidade e integralidade, observar e ouvir com paciência e empatia a linguagem verbal e não-verbal dos pacientes, observar todos os aspectos relacionados ao adoecer, aumentar a integração da equipe com o usuário, favorecer apoio à equipe de saúde e familiares, buscar uma visão ampla do que é e como está o paciente frente ao processo de doença e por fim resgatar a visão de individuo como um todo.

CONCLUSÃO

Concluímos então, que na atuação do psicólogo hospitalar não basta apenas ter um vasto conhecimento cientifico é preciso saber como utilizá-lo, lembrando ainda que, se não estivermos preparados para aprender com o paciente, nosso saber de nada adiantará. Iludisse o acadêmico, achando que a simples formação lhe garantirá o sucesso do seu exercício (afirma Angerami Camon), e o filme: Um golpe do destino, deixa bem claro a insuficiência do modelo biomédico. Ressalta-se aqui, a importância de se consolidar práticas empáticas e humanizadas no acolhimento ao paciente enfermo, independente de qual seja o projeto político de saúde em que é assistido.


REFERÊNCIAS:


PERLS, Frederick S. Egos, fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo. Ed. Summus, 2002.

CARVALHO, Denis Barros de, SANTANA, Janaína Macêdo & SANTANA, Vera Macêdo de. Humanização e Controle Social: O Psicólogo como Ouvidor Hospitalar. Revista PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2009, 29 (1), 172-183.

MINISTÉRIO DA SAÚDE – SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. ABC do SUS: Doutrinas e Princípios, Brasília/ DF, 1990.

CAMOM, Valdemar Augusto Angerami (Org). E a psicologia entrou no hospital. 1ª ed. São Paulo. ED. Pioneira Thomson Learning, 2003.




sexta-feira, 19 de julho de 2013




O ATENDIMENTO CLÍNICO COM CRIANÇAS


Jucimara Gonçalves Bernardo


A Gestalt-terapia é uma modalidade terapêutica, que dentre outros objetivos, busca devolver ao homem a capacidade de se autogerir e buscar novas diretrizes para sua vida (MACHADO; LIMA; FERREIRA, 2011).
 Neste ínterim,  em se tratando do atendimento clínico infantil, o objetivo da terapia permanece o mesmo,  mas exige do terapeuta uma forma singular e diferenciada de fazer o atendimento.  Para isso, dentro das diversas ramificações da Psicologia existe a ludoterapia.


O QUE É LUDOTERAPIA?


A ludoterapia é uma "[...] terapia destinada a crianças e que usa o brincar como forma de ajudar os mais pequenos a resolver situações ou dificuldades" sejam elas de origem emocional, cognitiva, social, psicomotora, etc. (HOMEM, 2009, p. 21).
 De acordo com Winnicott (1975), ao brincar, a criança avança rumo ao seu desígnio mais nobre, que é o de evoluir psiquicamente, construir e estruturar a sua personalidade, seu pensamento e integrar-se socialmente. É pois, no brincar que se desenvolvem os processos psíquicos que preparam o caminho da transição para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento, a saber, a idade adulta.


  COMO FUNCIONA?


A sala de ludoterapia constitui-se como sendo um espaço provedor da criação e recriação, principalmente por permitir ao consulente, de forma segura "enfrentar os seus sentimentos de frustração, agressividade, medo, insegurança, confusão, entre tantos outros, aprendendo a controlá-los ou a abandoná-los, ao mesmo tempo que vai percebendo que é uma pessoa autônoma e com direito a sentir todas essas emoções" (HOMEM, 2009, p. 21-22).
A sessão de atendimento tem duração de 50 minutos.


  QUANDO PROCURAR ?


São vários os motivos que levam os pais a buscarem atendimento psicológico para seus filhos. Dentre os sintomas e queixas mais comuns estão:

*            Dificuldades de aprendizagem;
*            Enurese ou ecoprese diurna ou noturna;
*            Pesadelos, dificuldades para dormir;
*            Distúrbios alimentares, dentre outros.
*            Agressividade em casa e na escola;
*            Hiperatividade, atrasos no desenvolvimento motor (atrasos para falar, andar, etc.)
  

 COMO DEVO FAZER?


Para iniciar um processo de ludoterapia basta ligar para o psicólogo e marcar uma entrevista inicial, a qual, em nossos consultórios, é realizada com os pais e/ou responsável pela criança. Nessa entrevista você terá a chance de tirar suas dúvidas pessoalmente. O psicólogo fará uma avaliação acerca da necessidade ou não da criança fazer ludoterapia.





domingo, 7 de julho de 2013

ESTAÇÕES DE UM "SER" TERAPEUTA






Jucimara Gonçalves Bernardo

Há momentos em que sou inverno: sinto-me fria, frágil e em silêncio.
Há outros em que sou outono: perco-me do caule, assim como as folhas, e sigo o fluxo e a direção do vento sem saber aonde vou parar. E quando repouso em terras firmes, aprecio a paisagem, me encanto com cada encontro, me afeto e aprendo a acolher o estranho.
Há momentos em que sou primavera: perfumo, presenteio e afeto.
Em outros sou verão: ilumino com a luz do meu olhar e presença, mas as vezes me empolgo e ilumino demais e cuidadosamente queimo.
Sou finda, inacabada e limitada.
Desvio e sou estranhamente desviada.
Sou sombra, acolhimento, abrigo e desabrigo.
Tenho as marcas de quem já encontrei e sou lembrança naqueles que marcas eu deixei.



sábado, 2 de março de 2013




A DESSENSIBILIZAÇÃO DE SI MESMO


Jucimara  Gonçalves  Bernardo


Originalmente somos impessoais, porque já nascemos em uma rede pré-estabelecida de significados, e à medida que vamos existindo, passamos a introjetar e a apropriar-se desses significados, tornando-nos assim, cada vez mais complexos, impessoais e alheios a nossa própria existência (estranhos a si – mesmo).
Se parássemos para refletir sobre a forma como vivemos, perceberíamos que o tempo todo, estamos utilizando mecanismos de compulsão (que nos tira do campo do prazer, para nos colocar no campo da necessidade) para  evitar o desprazer.
Segundo Monteiro (2004), atualmente, tem sido a onipotência e a onipresença da mídia que determina o que devemos: comer, onde viver, como e onde morar e se divertir, o que trajar, o que ler, em que e em quem acreditar, como se comportar, qual a forma corporal que devemos ter, que música devemos escutar e etc.
O consumismo cria necessidades artificiais com tal força e apelo que há o esvaziamento e quase que a inexistência de um senso crítico. É o que acontece por exemplo, quando o sujeito se sente constrangido por não ter o novo lançamento de carro, celular, tênis, etc (compulsão de repetição).
Além da compulsão, temos a criação de um modelo de ser no mundo (o homem bem sucedido e belo fisicamente) a ser atingido. Construção social esta, que impele aquele que não conseguiu atingir o modelo, a sentir-se praticamente fora do mundo e a margem de uma sociedade que o culpa, e o coloca como sendo o único responsável pelo seu fracasso.
De acordo com Perls (1977, p.19):


A sociedade exige conformidade através da educação; enfatiza e recompensa o desenvolvimento intelectual do individuo. Na minha linguagem chamo o intelecto de “computador embutido”. Cada cultura e os indivíduos que a compõem criaram certos conceitos e imagens do comportamento social ideal, ou formas como o individuo “deveria” funcionar dentro desta estrutura de referencia. Para ser aceito pela sociedade, o sujeito reponde com um conjunto de respostas fixas. Ele chega a estas respostas “computando” o que considera ser a reação apropriada. A fim de compactuar com os “deverias” da sociedade, o individuo aprende a ignorar seus próprios sentimentos, desejos e emoções. Então ele também se dissocia de ser parte integrante da natureza (Perls, 1977. p. 19).

  
Clarice Lispector em sua obra: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969) relatou que:


(...) não temos aceitado o que não entendemos porque não queremos passar por tolos (...) temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que a nossa indiferença é angustia disfarçada (...) temos sorrido em público do que não sorriríamos quando estivéssemos sozinhos (...) temo-nos temido um ao outro acima de tudo, e a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

Temos nos distanciados de nós mesmos o máximo que podemos, temos nos esforçados para corresponder as expectativas do outro social e exigido que esse outro social corresponda as nossas expectativas também, temos nos calado diante do discurso do outro, o qual nos chega como a única verdade, temos abandonado o sonho de viver, para vegetar e obedecer ordens que aniquila a nossa subjetividade.
Temos absorvido, perpetuado e nos tornado vítima do seguinte discurso pregado pela cultura ocidental: chorar em público é feio, homens não devem chorar, falar o que realmente importa é garfe, enfim é proibido demonstrar fragilidade. E embora a ciência tenha validado a ideia do singular, e saibamos todos da singularidade de cada ser, não a respeitamos, porque o modelo de homem que a sociedade atual deseja beira a ilusão e a utopia da perfeição.
Estamos vivendo a era da instabilidade, onde o que é verdade hoje é inverdade amanhã, onde tudo é incerto e não podemos se quer cultivar laços de longa duração, porque corremos o risco de nos decepcionar com os vínculos estabelecidos e isso nos faz beirar ao pânico.
Temos esquecido de viver o presente para viver somente o futuro, temos trocado as relações sociais face- a- face pelas salas de bate-bato na internet, temos deixado de amar, dar carinho e atenção aos nossos filhos para dar amor industrializado (bens materiais), temos abandonado os hábitos saudáveis e buscado o prazer químico (drogas) porque queremos sempre o prazer imediato. E tudo isso está refletido visivelmente na desestrutura familiar e psíquica das novas gerações.
Falar sobre os próprios sentimentos tem se tornado cada vez mais difícil e distante da realidade que nos cerca. No entanto, as pessoas estão dando sinais do seu sofrimento o tempo todo através: do consumo exacerbado do álcool e das drogas, da anorexia, da bulimia, do câncer, das dores musculares, da cefaleia,  da hipertensão, da insônia, da falta de apetite. Da compulsão por: trabalho, esporte e estudo, comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos, doença psiquiátrica, ansiedade ou pânico, mudança da personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão e/ou apatia, tentativa de suicídio, sentimento de culpa, desvalia, solidão, impotência e desesperança, somatização, menção repetida de morte e/ou suicídio, enfim sinais e sintomas que denunciam o caos psíquico gerado pelo processo de dessensibilização do eu.
Perls (2002), ao referir-se as inúmeras possibilidades de apropriação da vida, assumidas pelo homem, convoca-nos a refletir descrevendo o seguinte trecho:


É essencial que o homem aprenda a “sensação de si mesmo”, restaurando todos os impulsos e as necessidades, todos os prazeres e as dores, todas as emoções e sensações que fazem a vida valer a pena ser vivida, que se tornaram fundo ou foram reprimidas em nome do seu ideal dourado. Deve aprender a fazer outros contatos na vida além de suas relações comerciais (p.152).


O conflito entre as necessidades sociais e as biológicas do homem, pode levar o sujeito a constituir uma personalidade integrada ou neurótica. De acordo com Perls (2002) o que é bom e mau, geralmente chamado de certo e errado, poderia:

Do ponto de vista social [...] não ser de forma alguma bom e mau (saudável ou doentio) para o organismo. Contra as leis biológicas de auto-regulação a humanidade criou a regulação moralista – a regra da ética, o sistema de comportamento padronizado (p.105-106).

Assim como a lei serve também, para controlar e padronizar as relações do homem, tudo aquilo que foge à regra, inclusive: o comportamento, uma forma diferente de pensar e a aparência física, é tido como desviante e passa a ser discriminado por grande parte da sociedade.
Com isso, o autor supracitado adverte-nos que o autocontrole exigido socialmente pode ser alcançado apenas à custa da desvitalização e do enfraquecimento das funções de grande parte da personalidade humana – a custa da criação de uma neurose coletiva e individual.
E neste sentido, a neurose pode ser definida como sendo o conflito psíquico gerado em decorrência do duelo entre os interesses pessoais e as expectativas do outro social.

Foto


REFERÊNCIAS:


PERLS, F. S. Isto é Gestalt São Paulo: Summus, 1977.

PERLS, F. S. Ego, fome e agressão – uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus, 2002.

RODRIGUES, H. E. Introdução à gestalt - terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Petrópolis, Rio de Janeiro: ED. Vozes Ltda.2000.

LISPECTOR, C. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Disponível em: www.4shared.com. Acesso em: 18 de fevereiro de 2010.

MONTEIRO, D. A. O sujeito do consumo e os laços afetivos. Texto apresentado no XV Congresso Brasileiro de Psicanálise, Salvador, 13-15/05/04. Disponível em: www.scielo.com. Acesso em: 25 de novembro de 2009.


domingo, 20 de janeiro de 2013


POEMA DE NATAL

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

(Vinicius de Moraes)






A ARTE COMO INSTRUMENTO PSICOTERAPÊUTICO


Jucimara Gonçalves Bernardo


De acordo com Valladares (2006), através do recurso expressivo é possível resgatar o potencial criativo do sujeito, buscando ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar a autoestima, e principalmente fazer com que, a partir da estimulação e desenvolvimento de recursos físicos, cognitivos e emocionais, o sujeito consiga lidar melhor com os seus sintomas e stress. Frente a isso, o autor supracitado acrescenta que é necessário:



[...] construir um cuidado que envolva um espaço acolhedor, mas não ameaçador e que permita à pessoa [...] expor seus sentimentos, comunicar-se com maior naturalidade e dar conta da complexidade e da amplitude de suas potencialidades. [...] elaborar estratégias e práticas terapêuticas para facilitar a comunicação, mesmo as não-verbais (plásticas), mas que sejam audíveis de alguma forma é uma necessidade humana (VALLADARES, 2006, p.4).


Neste sentido, podemos inferir que a arteterapia permite ao sujeito expressar de modo singular: (1) os aspectos psicossociais (a forma como percebe o mundo e se relaciona com ele); e (2) os aspectos funcionais do seu estado mental. O que possivelmente permitirá ao terapeuta avaliar no primeiro momento as funções primárias: sensação, percepção, atenção, pensamento e linguagem e no segundo momento investigar as sensações vivenciadas após a arte produzida (VALLADARES, 2006).
Para Philippini (2004 apud VALLADARES, 2006, p.4), “a arteterapia é um processo terapêutico com predominância do não-verbal, que permite a transformação com o uso de materiais expressivos, possibilitando a emergência de conteúdos inconscientes para confronto, elaboração e expansão do indivíduo”. Destarte, a arteterapia pode ser caracterizada como sendo, um recurso que tem como principal objetivo estimular o paciente a expressar de forma espontânea sentimentos e atitudes até então desconhecidos.
Em suma, é bem real a ideia de que a arte quando responsavelmente aplicada em processos facilitadores de crescimento, possibilitam a transgressão de si mesmo. 


REFERENCIAS


VALLADARES, A.C.A. Arteterapia, doente mental e família: um cuidado integrado e possível em saúde mental na nossa atualidade? Revista Arteterapia: imagens da transformação. RJ. Clínica Pomar, V.12, nº 12, p.9-32, 2006c.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013




A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO  AMBIENTE HOSPITALAR


O tratamento do câncer infantil demanda um tempo considerável de hospitalização, no qual a criança é submetida a procedimentos invasivos e dolorosos, como é o caso da quimioterapia e seus efeitos colaterais. 
Ao pensar em ações que possam minimizar tal sofrimento, Chiattone (2003) ressalta que o brincar é um rico instrumento preventivo, diagnóstico, prognóstico e terapêutico para as crianças na situação de adoecimento e iminência da morte. Pois é através do brincar que a criança consegue formular e assimilar sua  experiência, bem como facilita a internalização, amadurecimento e elaboração do processo de adoecimento.  
A criança acometida por câncer, sofre muito mais com a restrição do seu existir, do que mesmo com a própria doença. Porém, é graças ao seu desejo constante de des-cobrir (presente durante todo o seu desenvolvimento), que a restrição poderá passar a ocupar um espaço menor. Destarte, é quando seu foco de atenção estiver mais voltado para a des-coberta das coisas novas, que a limitação imposta pela doença e pelo tratamento passará momentaneamente a não mais impedi-la de continuar sua trajetória.
Neste sentido, o brincar pode ser considerado um mediador entre a criança e o psicólogo, que se utilizará de tal método para fazer com a criança possa explorar e descobrir novas maneiras de vir-a-ser na situação de doença. Bem como, fortalecer a auto-estima, o autoconceito e favorecer o seu equilíbrio psíquico da criança. Segundo Chiattone (2003, s/p):


O objetivo é ajudar a criança a tomar consciência de si mesma, de sua existência no mundo e de sua situação de doença e iminência de morte, reconstruindo seu senso de eu, fortalecendo suas funções de contato e renovando o contato com seus sentidos e sentimentos. Ao fazer isso, pode-se redirigir a criança para a percepção mais saudável das funções de contato que lhe restam e em direção a comportamentos mais satisfatórios.


Existem diversas técnicas específicas que podem ser utilizadas e incluídas nas atividades do ambiente hospitalar e que ajudam a criança a expressar seus sentimentos. Dentre elas: desenho livre, pintura livre a dedo, pintura de modelos prontos, desenho de polaridades, manuais sobre a doença e hospitalização, recortes e colagens, modelagem, desafios, histórias coletivas, completar sentenças, fantoches e teatros de fantoches, dramatização, árvore da vida etc (CHIATTONE, 2003).
Assim a tarefa do profissional de saúde mental no atendimento a criança terminal consiste em apontar caminhos, oferecer condições de forma direta, sem ser invasivo, sendo leve e delicado sem ser passivo, enfim aceitando a criança com respeito e consideração a sua forma de ser e existir.
Frente a isso, Lione (2001, s/p) ressalta que:


Para a criança em geral e, em especial, para crianças com câncer, é importante que o adulto que delas cuida antecipe situações ou significados para além do imediato, reconhecendo suas necessidades e, ao mesmo tempo, dando-lhes apoio e encorajando-as a enfrentar o que está por vir. Na sua proximidade, o adulto pode antecipar o que vai acontecer no futuro, oferecendo para a criança algum tipo de “confiança” de que ela poderá se lançar ao desconhecido.


As necessidades e as solicitações da criança podem ser facilmente percebidas pelo olhar cuidadoso do adulto que está próximo da criança no seu dia-a-dia.
A confiança surge através do relacionamento cuidadoso, humanizado e respeitoso. Se para a criança a presença do adulto que é marcada pelo apoio e confiança é importante, para o adulto essa relação também é muito valiosa. Pois à medida que o adulto cuida da criança, ele está cuidando também da sua aflição e preocupação em relação à criança, ou seja, ele está cuidando também de sim mesmo.
Existe na verdade uma relação de ser-com-o-outro, onde o cuidado que é oferecido pelo adulto é recompensado pela confiança que a criança deposita no mesmo e que o presenteia com mais força para continuar a superar as adversidades. 


REFERÊNCIAS

LIONE, Fernanda Rizzo di. A criança existindo com câncer. Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse. Número 10, 2001, São Paulo.

CHIATTONE, H.B.C. A criança e a morte. A psicologia entrou no hospital. 2ªed. São Paulo: Pioneira, 1999.